Corra! (Get Out, 2017) é uma daquelas boas surpresas que todo ano surgem no cinema, o filme dirigido por Jordan Peele e protagonizado por Daniel Kaluuya conta a história de Chris, um homem negro que trabalha como fotógrafo, namora uma mulher caucasiana e está prestes a conhecer os pais da namorada. Ao chegar na casa dos sogros, que são amigáveis até demais, Chris começa a notar que as outras pessoas daquele lugar, principalmente as pessoas negras, agem de forma muito estranha.
Com 5 indicações ao Oscar, incluindo de melhor filme, Corra, além de um excelente thriller, também aborda diversas questões raciais e sociais, mas, a essa altura você já deve ter lido e visto dezenas de resenhas e críticas sobre o filme, então eu gostaria de aproveitar o espaço e destacar uma questão sociorracial em específico. Em determinado momento, descobrimos o real e macabro motivo por trás da forma com que os anfitriões agiam, as pessoas negras eram levadas até a cidade, hipnotizadas, leiloadas e tinham seus cérebros trocados pelos compradores para que pudessem tomar conta de seus corpos e habilidades. Isso, de alguma forma, me atravessou completamente e me lembrou muito uma situação ocorrida em meados de 2013: Estou eu “navegando” pela rede mundial de computadores quando vejo amigos compartilhando na linha do tempo do Facebook um ensaio do catálogo de uma famosa marca de roupas. Uma marca que claramente vende o visual do Hip-Hop, estilo e cultura oriundos das periferias norte americanas cujos moradores, em sua grande maioria, são negros. E, apesar do preço elevado dos seus produtos, na época era uma linha de roupas bem popular entre os rappers, tanto os “da gringa” quanto os brasileiros, que na sua grande maioria, também são negros e, por consequência, muito usada pelo público do rap, em grande parte negros também. Acho que já deu pra entender.
Portanto, achei muito estranho quando vi o tal ensaio. Todos os modelos eram loiros e de olhos azuis. Ou seja, para essa marca, nosso estilo serve, nosso dinheiro serve, nossos músicos servem, mas na hora de representar o nome da marca, não somos bonitos o bastante. Metaforicamente essa foi a mesma situação do filme para mim, que eu vi como uma clara alusão a apropriação cultural. Sim, essa discussão vai muito mais além de quem pode ou não usar dreads e turbantes.
Quando isso passa a ser praticado pela indústria, pasteurizando e vendendo uma cultura totalmente fora do contexto original dela, aí temos um problema. A dissociação cultural a longo prazo pode ser muito mais nociva do que parece, tome o Rock como exemplo; Veja quão afastado está o Rock da Black Music. Olhando rapidamente para o passado temos os anos 50, segregação racial norte americana, músicos negros talentosos, porém sem espaço na mídia segregacionista, foram ficando para trás enquanto um músico caucasiano e talentoso com as mesmas características de dança e vestimenta se tornou o rei do gênero, simplesmente por ser muito mais aceito pelo publico, inclusive regravando algumas canções dos colegas.
Pessoalmente não acho errado uma pessoa achar algo bonito ou se identificar com alguma coisa e querer usar aquilo ou homenagear aquela cultura, mas é sempre bom saber de onde vem pra não acabar transformando instrumento de tortura escravista numa peça fashion ou achar que black face é homenagem. É como dizem por aí, “de boas intenções o inferno está cheio” ou, melhor ainda, como diz o rapper e cantor Criolo: “pode colar, mas sem arrastar”.
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Hugo dos Santos, o Ugu.
Metralhadora de provocações, rimas e de histórias que começam sempre com “eu tenho um amigo…”. “Ugu” divide seu tempo entre jogar basquete e questionar o sistema. Tem um crush nada secreto no Donald Glover. Veio a esse mundo mascar chiclete e desmascarar galãs feios. E seu chiclete acabou.
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