Sempre é prazeroso ver nós, latinos, em obras animadas cinematográficas, ainda mais em um ano em que encontramos dois filmes localizados em regiões latinas em destaque no Oscar, aqui destrincharei, O Touro Ferdinando (Ferdinand, 2017), uma dessas belas obras. Depois de passar no Brasil com os filmes Rio (2011) e Rio 2 (2014), a Blue Sky, com a direção do brasileiro Carlos Saldanha, aterrissa na Espanha para discutir machismo através do gentil Touro Ferdinando.
Para alguns adultos é bastante complicado dialogar temas sociais tão delicados como machismo para o público infantil, e esse, sem dúvida é o ponto mais forte a favor do longa-metragem do diretor Carlos Saldanha. O filme trás as questões de um touro amigável que detesta qualquer ato de violência. Ferdinando sofre para ser aceito, pois, diferente dos demais touros, o protagonista quer apenas ficar tranquilo cultivando e sentindo o perfume de delicadas flores. E nesse embalo, das cenas de desrespeito e bullying sofridas por Ferdinando até as cenas de vitória do touro, o filme apresenta o discurso de que ele não é “menos touro” por ser do jeito que é. De forma análoga, questiona conceitos conservadores da nossa sociedade sobre “ser macho” ou “mais macho”, batendo de frente para discutir que “ser homem” e “ser sensível e empático” não são inversamente proporcionais. Principalmente em um momento histórico o qual passamos por uma efervescência nas discussões sobre questões de gênero, ressalto como é ótimo as obras animadas que se propõe a abrir ao público infantil o diálogo sobre essa temática acrescentando na formação de caráter e de discernimento.
As melhores e principais cenas do filme são quando esse debate se aflora de maneira direta. Contudo, as demais sequência são claramente tentativas fraquíssimas de fazer humor com piadas de violência corporal com os demais personagens de alívio cômico. Momentos em que você pode remover tranquilamente e não fará nenhuma falta ao longa-metragem, porém, para algumas crianças pode até parecer engraçado, mas vejo que a comédia no filme poderia ter sido explorada de outras maneiras as quais não enfraquecessem o discurso denso da obra. Além disso, o filme fraqueja com muitos momentos didáticos demais e bobos, ainda mais para a faixa etária. Frases são repetidas mesmo quando a informação já está bastante clara. No entanto, o longa não perde o seu mérito em conversar temas delicados de forma branda, inclusive é quando O Touro Ferdinando realmente ganha força.
Do ponto de vista técnico, o filme apresenta uma animação fluida e impecável, com belas imagens criadas com a técnica já consagrada comercialmente, a animação 3D. Tudo já esperado de um grande estúdio de obras animadas que lançou grandes longas como A Era do Gelo (Ice Age, 2002) e A Era do Gelo 2 (Ice Age 2, 2006). O som segue o feijão com arroz, ressaltando os pontos de virada no filme, intensificando nas tensões e suavizando nos momentos leves, porém, sem nenhum destaque ou diferencial de um longa-metragem. No mais, a obra cinematográfica consegue transportar o público perfeitamente para o ambiente da Espanha e todo cenário das touradas.
Para encerrar, penso que boa parte dos meninos, em sua infância e adolescência já procurou ou procura esconder qualquer gosto, atitude ou gesto de caráter sensível por medo de ser julgado “menos macho”, e aqui eu vejo a força do filme. A animação mostra o contraste através da natureza do touro, um animal que para muitos é símbolo de violência e brutalidade, e o utiliza para falar de sensibilidade, de que sim é possível resolver problemas por métodos que não sejam através da força bruta, dessa forma, demonstra que optar por estes mecanismos, nos dias de hoje, é que realmente se trata de um ato de força e coragem. Não se trata de medo, se trata de enfrentar com outros olhos, contra o machismo. Por fim, aconselho sem dúvida aos pais a levarem seus pequeninos a assistirem Touro Ferdinando pois, entre tropeços e algumas cenas fracas, bobas e desnecessárias, o longa-metragem se faz necessário para apresentar e discutir questões tão atuais, e que muitos ainda não sabem como introduzir ao público infantil.
Animador, ilustrador e pai de um gato gigante chamado Sushi. O maior apaixonado por qualquer tipo de animação que já tivemos notícia e mais ainda incentivador da animação brasileira. Está sempre rabiscando uns desenhos em qualquer lugar e é conhecido como o mestre dos trocadilhos infames e sem graça.