O Destino de Uma Nação – Um filme à sombra de um grande ator

Joe Wright sempre foi um diretor que me chamou bastante atenção. Desde Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005) e Desejo e Reparação (Atonement, 2007), dois filmes pelos quais tenho enorme carinho até hoje, até os mais recentes Hanna (2011) e  Anna Karenina (2012), e excetuando o maior escorregão de sua carreira, o pavoroso Pan (2015), geralmente fico atento aos filmes em que o diretor vem trabalhando. A notícia de que seu próximo filme seria sobre Winston Churchill foi o bastante para atiçar minha curiosidade inicial e ao saber que Gary Oldman, de longe um de meus atores preferidos de todos os tempos, interpretaria o primeiro-ministro britânico fiquei ainda mais animado pelo projeto. Mas foi mesmo ao assistir pela primeira vez o trailer do filme que de fato arregalei meus olhos e perdi um pouco a voz. Já não é novidade que Oldman é um camaleão, um tipo de ator em que você acredita veementemente que pode interpretar o que ele bem quiser e fazer isso de uma forma que ninguém jamais seria capaz de dizer que aquele personagem não seja uma pessoa real. Seria inútil eu elencar aqui papéis memoráveis de Oldman, já que a lista seria imensa. Mas quando vi o ator encarnando (e essa é a melhor palavra possível a ser usada aqui) Churchill naquele trailer sabia que finalmente a injustiça de ter sido indicado somente uma vez ao Oscar – na ocasião por O Espião Que Sabia Demais (Tinker Tailor Soldier Spy, 2011) – seria sanada, e mesmo que os indicados ainda não tenham sido anunciados me arrisco a dizer que a indicação de Oldman é praticamente certa levando em consideração as nomeações e prêmios que o ator vem colecionando nos últimos meses – incluindo o prêmio de melhor ator de filme dramático no Globo de Ouro domingo passado – e não ficaria nem um pouco surpreso se o ator levasse para casa esse merecido Oscar.
A maquiagem e a caracterização de Oldman estão realmente impressionantes e muitas vezes é difícil reconhecer o ator ali, mas nada disso seria tão extraordinário se não houvesse uma atuação fenomenal por trás. E nem falo como um conhecedor do Churchill real, por isso nem posso dizer que Oldman conseguiu imitar perfeitamente os trejeitos, o andar ou o modo como o político falava, mas nada disso importa para mim, pois o Churchill personagem já me passou uma credibilidade que supera minha vontade de comparar com o “original” – coisa que fiz, por exemplo com o personagem de Steve Carell em Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (Foxcatcher, 2014) apenas pelo fato de que não acreditei que existisse alguém tão bizarro. Fui inclusive, por pura curiosidade, assistir o outro filme sobre a vida do estadista lançado recentemente, intitulado Churchill (2017) e dirigido por Jonathan Teplitzky, onde o protagonista é interpretado por Brian Cox, que não só considero um bom ator como tem uma fisionomia muito mais aproximada à de Churchill do que Oldman. No entanto é quase impossível comparar tanto as atuações como os filmes em si, mas terei que fazer o esforço de tocar algumas vezes nesta segunda obra simplesmente porque a leitura que cada filme tem do mesmo personagem quase anula uma à outra de tão divergentes.
Mas, apesar de ser a melhor coisa do filme, nem só de Gary Oldman a obra vive. O Destino de Uma Nação (Darkest Hour, 2017) inicia com a renúncia do então primeiro-ministro Neville Chamberlain (Ronald Pickup) na ocasião da invasão do exército nazista alemão à França em 1940 durante a Segunda Grande Guerra. Após isso um novo primeiro-ministro deveria ser escolhido para lidar com a situação de guerra e invasão iminente e apesar de não ser o preferido nem pelo seu próprio partido, Churchill é o indicado apenas por ser um candidato que seria aceito pela oposição. Assim, o filme trata não de toda a vida de seu protagonista, o que seria um erro, mas apenas de seus primeiros e conturbados dias como primeiro-ministro britânico durante a Segunda Guerra, já tendo que lidar com situações de pressão absurdas, sendo a maior delas a decisão de evacuar milhares de soldados que estavam cercados em uma pequena cidade do litoral francês numa inacreditável operação que também ganhou os holofotes recentemente no filme Dunkirk (2017), de Christopher Nolan.

É interessante como Wright consegue um balanço quase perfeito entre uma seriedade, que se faz quase obrigatória em um filme que trata da guerra, e um humor extremamente assertivo, quase sempre presente na figura do próprio Churchill, um homem da alta classe política inglesa, mas com uma sinceridade que deixa todos os outros a sua volta encabulados, atrevendo-se a ser engraçadinho até mesmo com alguém que ninguém mais se atreveria, o próprio rei George VI (Ben Mendelsohn). Inclusive os encontros entre os dois geram alguns dos melhores momentos do longa.

 

Por outro lado, o filme jamais deixa de mostrar um lado já famoso do estadista. Grosseiro com quem não está de acordo com suas palavras, duro com pequenos detalhes como o espaçamento usado por sua datilógrafa Elizabeth (Lily James), que faz um papel importante de ponto de vista de alguém que está abaixo, mas próximo à Churchill. Sua fúria é aplacada apenas com a proximidade de sua esposa Clemmie (Kristin Scott Thomas) por quem demonstra enorme devoção. O Churchill de Oldman se mostra não o general de campo de outrora, mas um político de guerra, alguém que está disposto, sem muita discussão, a sacrificar vidas para salvar outras em maior quantidade. Exatamente o contrário do personagem apresentado no filme de Teplitzky, onde o Churchill de Cox se mostra decidido a impedir a operação que levaria ao Dia D, o famoso desembarque na Normandia visto em O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), por preocupar-se com a morte dos soldados envolvidos. Neste filme vemos um político derrotado, tratado quase como alguém a ser tolerado pelos chefes militares americanos e até por seus compatriotas britânicos, apenas por estar numa posição de comando onde ninguém mais o queria. O Churchill de O Destino de Uma Nação não só impõe o respeito de todos ao seu redor mesmo sabendo-se indesejado, como jamais titubeia em suas decisões, mostrando-se capaz até mesmo de humilhar-se em uma conversa particular ao telefone pedindo ajuda ao então presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, outro dos melhores momentos do filme.

 

Quanto à arte e à fotografia o filme não fica atrás dos demais trabalhos de Wright, sendo fortes candidatos em suas respectivas categorias para o Oscar. Durante todo o filme vemos a mão cuidadosa do fotógrafo Bruno Delbonnel utilizando das sombras para criar uma atmosfera sombria e opressora, ao mesmo tempo em que destaca pequenos feixes de luz para dar um respiro a todo aquele sufoco. Enquanto isso figurinos e cenários tanto criam uma veracidade quanto parecem copiados de quadros pintados no período, e eu não me surpreenderia se o fossem mesmo.
Na minha opinião o filme falha apenas exatamente em seu maior objetivo: transformar Churchill em um herói de guerra lendário, um exemplo de político e estrategista a ser admirado e seguido. Apesar de mostrar rapidamente suas falhas, como a péssima relação com a família e a quase incapacidade de ouvir os outros, tudo isso é esquecido em uma sequência no último terço do filme quando sua redenção é completa em uma aproximação forçada entre ele e o povo inglês, algo que já havia sido preparado quando no início do longa, à caminho de seu “ritual” de nomeação como primeiro-ministro, Churchill olha pela janela do carro e afirma nunca ter tido a necessidade de “estar em uma fila de pão ou de pegar um metrô” como qualquer outro cidadão de menor classe social.
O Destino de Uma Nação é um filme impressionante de se ver em muitos sentidos e com méritos que certamente o levarão a muitas premiações este ano, deixando inclusive uma vontade de continuar vendo aquele personagem até o fim da guerra, mesmo que isso só fosse possível com um filme de muitas horas.