“120 Batimentos Por Minuto” vai seguir os/as ativistas do Act Up em sua luta contra a AIDS na Paris dos anos 90. Ainda que hajam dois protagonistas tardios (explico mais a frente), a Act Up é a grande protagonista do filme. A organização surgiu em Paris em 1989 e segue as bases da organização de mesmo nome fundada nos EUA anos antes. A associação tem como objetivo a luta contra a AIDS voltada, principalmente, para a comunidade LGBT. Ela continua em atuação até hoje.
Na maior parte do longa, estamos ou em uma dessas reuniões fechadas do grupo na mesma sala de aula, sempre às terças, às 19h. Reuniões exaustivas, que vão até meia-noite. Ou em manifestações, ações na rua: jogando bolsas de sangue falso nas paredes de organizações farmacêuticas, em ações de educação sexual em escolas de ensino médio, em reuniões com líderes de outras organizações. Nunca vimos esses personagens fora dali, da luta, em seus trabalhos, com seus amigos, com seus familiares. Isso, inclusive, é assunto de um dos diálogos entre Sean (Nahuel Pérez Biscayart) e Nathan (Arnaud Valois). Eles conversam em uma das pausas da reunião sobre a profissão deles e dos colegas. Informação que só obtemos sobre alguns poucos personagens nessa fala e nunca mais. Além disso, eles estão sempre juntos, no ativismo. Mesmo quando vemos a casa de Thibault (Antoine Reinartz), é numa situação de reunião de uma das comissões da Act Up. A primeira cena que se têm fora do ambiente da luta é no quarto de Sean, quando ele e Nathan têm seu primeiro encontro.
O drama ao qual o filme se propõe também tem a ver com as causa da organização. Não é à toa que seguimos Sean em sua luta contra a doença e nada mais. O romance entre ele e Nathan está atrelado a isso. Sean é um caso, em meio a todas as histórias que estão ali, que seguimos. Sua história não é mais triste que as outras, mais dramática. Ela é mais uma. E o interessante é isso. Ela é mais uma. A soma dessas histórias que torna o que a organização é. Porém é difícil ter empatia por uma organização como um todo. O diretor/roteirista opta por nos fazer ver de perto uma das trajetórias, fazendo de Sean o corpo da luta.
Ainda assim, gostaria que os protagonistas fossem protagonistas mais cedo. A apresentação do Sean é incrível: discutindo com Sophie (Adèle Haenel) na assembleia, na última fileira de cadeiras, que fica no alto da escadaria, com o pescoço sujo de sangue falso, resquício da primeira manifestação. Porém, após isso, não ficamos com ele. Nathan, por outro lado, tem uma apresentação completamente passável. Prestei atenção nele mais tentando procurá-lo nas cenas porque tinha visto seu nome na sinopse do que porque ele se fazia destacar. Eles tornam-se protagonistas realmente quando se encontram a primeira vez fora do ativismo e começamos a seguir a trajetória do Sean. Essa quebra da trajetória, saindo do coletivo para o particular, poderia ser muito interessante, mas aqui essa construção me parece muito frágil.
E mais, Robin Campillo às vezes exagera na mão e passa muito tempo reiterando algo do que trazendo algo novo. Esse filme, assim como seu filme anterior, Eastern Boys (2013), poderia ter, facilmente, meia hora a menos. Em 120 batimentos, depois da primeira reunião, ainda temos quase 30 minutos de filme gastos em manifestações e reuniões que não levarão a narrativa para frente. Como se estivéssemos sendo introduzidos 3, 4 vezes a esse universo.
Apesar dessas fragilidades, é um filme importantíssimo. Estreando na França nesse ano de 2017, que foi palco de retrocessos nos direitos e de uma onda conservadora que quase nos engoliu, um filme que fala da luta por direitos, pela vida, de homossexuais, lésbicas e bi’s e que os vê de uma forma que não os marginaliza, ganha o Grand Prix no festival de Cannes, prêmio do júri, segunda maior premiação depois da Palm d’Or e é escolhido como representante da França para a corrida do Oscar.
Nesses tempos, filmes com esse tipo de discurso tem de ser vistos. Mesmo nos pequenos gestos, nas pequenas cenas, como quando Sean e Max (Félix Maritaud) expõem Hélène (Catherine Vinatier) com o objetivo de atingir Thibault, eles saem da sala e Sophie vai falar com eles; sua primeira fala para Max é “Por que vocês fizeram isso? Se Hélène não fosse uma mulher, vocês não teriam feito isso a ela”. Ainda que não haja uma ênfase nesse assunto e que essa discussão não vá em frente, isso fica claro. Está tudo ali.
É revigorante ver essas pessoas tão diferentes, que discutem em quase todas as cenas porque tem opiniões políticas divergentes, mas diante da polícia, se unem, não deixam o outro cair. Ver que, mesmo depois de mortes dos seus por causa da doença, ainda conseguem estar nas ruas com o mesmo vigor de antes. Que juntos, nas lutas, seus movimentos beiram a dança e pulsam como um só.
Uma capricorniana Bacharel em Cinema e Audiovisual. Diretora, roteirista, curadora e uma DJ formidável nas horas vagas. Grenda divide seu tempo entre o cinema, o cigarro e o litrão barato. Sabe dar conselhos e sermões como ninguém e dentre todos os seus vícios, o maior deles é a tabela de Excel.