Por outro lado, apesar de reverenciar a obra de Godard, o filme não exita em apresentar o quão difícil de se lidar (e isso é um eufemismo) era o cineasta, ainda mais em um momento em que suas ideias políticas, muitas vezes contraditórias, estavam cada vez mais à flor da pele, já que um ano após a estreia de A Chinesa aconteceria em Paris uma das manifestações políticas mais importantes do século XX, uma greve geral iniciada por estudantes e que ficou conhecida como Maio de 68, mesmo movimento retratado em Os Sonhadores (The Dreamers, 2003) de Bertolucci e também estrelado por Garrel. Godard participa intensamente das manifestações e no filme vemos como seus desejos políticos se tornam cada vez mais intensos refletindo não só em seus filmes, mas também na sua carreira e em sua vida de modo geral. O gênio de Godard (com o perdão do trocadilho não proposital) apresenta-se cada vez mais niilista e destrutivo, o que gera algumas das sequências mais divertidas do longa, como o debate/coletiva de imprensa em um festival onde lança seu novo filme, ou na hilária sequência onde debate com seus amigos em um apertada viagem de automóvel voltando do Festival de Cannes de 1968.
Enquanto isso acompanhamos a relação conturbada entre Anne e o cineasta tornando-se cada vez mais insustentável já que a atriz vê o criativo e animado vanguardista de Acossado (À Bout de Souffle, 1960) e O Desprezo (Le Mépris, 1963) que ela tanto admirava transformar-se em um ser tão pessimista, renegando até mesmo sua própria filmografia e qualquer outra forma de cinema que não esteja engajada à revolução, levando-o, junto com seu amigo Jean Pierre Gorin, à criação do coletivo Dziga Vertov em fins de 68.
O Formidável nos trás, assim, um divertido retrato da transformação de um dos mais influentes cineastas de todos os tempos (a quem alguns chamam de gênio, o que de certa forma não é um grande exagero), e que até hoje, quase chegando à sua nona década de vida, parece ser viciado em transformações e renovações.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.