Primeiro, seguindo a ordem de exibição no cinema, ir ver essa nova produção é ser contemplado por uma pequena animação antes do filme
— o que já é um marco da empresa
— e torna-se algo esperado pelos fãs. O escolhido da vez foi o curta
Cabeça ou Coração (Inner Workigs, 2016) do brasileiro Léo Matsuda (veja o trailer
aqui). O curta retrata o cotidiano de um homem que precisa lidar com as questões relacionadas a contradição que é ter que decidir entre: o que a mente quer ou o coração. Ótimo assunto para dar abertura a um filme que vai retratar as dúvidas de uma heroína entre seguir a razão ou condizer com os anseios da alma.
O que esperar de um longa com direção de John Musker e Ron Clements? Esses caras foram responsáveis por filmes como
A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 1989),
Aladdin (1992),
Hércules (Hercules, 1997) e a
Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog, 2009)! E a trilha sonora? Respondo com dois nomes, Mark Mancina, que participou de trilhas como a de
Irmão Urso (Brother Bear, 2003) e
Rei Leão (The Lion King, 1993); e Lin-Manuel Miranda, responsável pelo musical da Broadway,
Hamilton! O que se espera dos amantes da cultura pop? Um surto, para se dizer o mínimo, mas vamos com calma.
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Ron Clements e John Musker |
Acho que uma das poucas coisas, em mim, que permaneceu desde a infância foi a expectativa por esperar filmes da Disney serem lançados. Costume esse criado por uma mãe que me proporcionou “VHS’s” da editora Abril com os clássicos do Walt, brinquedos, ovos de páscoa das princesas e DVD’s. (Um beijo mãe!)
E não seria diferente agora. A animação tem um papel fundamental em meu olhar para o cinema, pois foi com este gênero que passei a me interessar por essa arte. Grande parte dos filmes da Disney estão em minhas memórias afetivas e os preferidos, aos quais assisti várias vezes, tenho sequências inteiras decoradas. Se um dia eu sentar pra tomar um café com alguém que conheça as falas, posso encenar boa parte dessas produções.
Por que esta introdução é importante? Veja bem, eu enquanto estudante de cinema tento analisar aquilo que assisto em critérios que vão desde termos abstratos a conceitos mais técnicos. Ficou chato ver filme? Não. Afinal reconhecer defeitos e qualidades gera um fascínio consciente e, a meu ver, me aproxima cada vez mais de um objeto de estudo.
Além dos conceitos cinematográficos, diante dos questionamentos que venho tendo e de todas as meditações acerca do consumo de cultura pop, meu olhar e o de grande parte do público, está ficando gradativamente mais exigente. Seja por análise fílmica ou por questões que regem teorias que abrangem causas feministas, LGBTs, raciais…
Dentro de um processo histórico, as representações das princesas Disney, como um estereótipo machista da mulher, é um assunto bastante conhecido. Mas por ora, a minha intenção no texto é fazer um recorte das últimas produções em CGI que foram lançadas pela empresa
— Valente (Brave, 2012),
Frozen: Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013), Zootopia (2016) e
Moana: Um Mar de Aventuras (Moana, 2016).
Todos esses citados, tendo a presença de um forte protagonismo feminino.
Esses filmes, a meu ver, são um marco importantíssimo na cultura. A marca “Disney” é reconhecida mundialmente e eu desafio a quem me lê passar um dia inteiro sem ver nada que faça referência a seus personagens. Todos os filmes criados pela companhia, fizeram parte da minha infância como fizeram parte da vida de muitos. Foi assistindo a esses clássicos que aprendi a acreditar em finais felizes; que as pessoas fazem loucuras quando amam; que somos mais do que mil, somos um ou que Ohana significa família, família significa nunca abandonar ou esquecer.
E é dentro desse contexto que procuro fundamentar minhas meditações. Todo o meu consumo durante grande parte da minha vida, foi de puro entretenimento, mas não é porque não refletia antes que estes não contribuíram para a formação do meu caráter — mesmo que eu não o soubesse.
E a partir daqui, explico porquê agradeço ao filme Moana. Logo, esse lançamento de 2016 não seria possível sem todos os que o antecederam. Merida lutou pelo direito de ter sua própria mão que era disputada em uma competição de arco e flecha, Elsa é uma rainha que luta para lidar com os seus problemas sem auxílio de nenhum figura masculina e Judy Hopps não só é um marco na polícia de Zootopia, por ser um coelho em um espaço dominado por animais machos e de grande porte, como é também a primeira coelho fêmea a fazê-lo. Por que isso merece um agradecimento? Porque a maior parte dos filmes que participaram da construção do meu ser, em sua maioria, careciam de figuras femininas fortes.
Em todos esses filmes lançados recentemente vemos mulheres que não precisam ser resgatadas; mulheres que lutam pelo direito de existir da forma que querem; que vencem obstáculos tidos como desafiadores e tomam as rédeas do seu destino. Quem esperava que o título “Um Mar de Aventuras” fosse designado a uma princesa? “Princesa não”, como faz questão de salientar Moana, “Filha do chefe de sua tribo”.
Moana, uma jovem de 16 anos, origem polinésia e herdeira da tribo de Motonui, na Oceania, recebe desde cedo um chamado do mar e torna-se a escolhida de uma missão que ela, em grande parte da trama, nem desconfia da grandiosidade de seu destino. O filme então marca a jornada de uma heroína que na busca de responder esse chamado interior, mesmo que contra a vontade de seus pais, acaba por embarcar numa incrível jornada de construção de identidade, força e autoconhecimento.
Um dos alicerces de ponto de virada é a sua avó que a encoraja a seguir seu destino, explicando que parte do que constituía os costumes da tribo foram esquecidos pela decisão de não se aventurarem pelo oceano, justificado por tragédias em alto-mar e embarcações que nunca voltaram.
Parte da trama consiste na busca por Maui, semideus que deu origem ao que conhecemos, que acaba por se tornar peça fundamental na devolução do coração da deusa TeFiti à uma ilha mística. O roubo fora realizado pelo próprio Maui, cujas motivações marcam os interesses do semideus, mostrando uma nova faceta da construção de personagens das novas produções Disney, onde o caráter punitivo para “vilões” e de dicotomia entre bem e mal é miscigenado com a humanização em suas construções
— tendo como exemplo a humanização criada no longa-metragem
Malévola (Maleficent, 2014).
Somos apresentados também a dois mascotes de Moana. Pua, um pequeno porquinho, e Heihei, um frango que explora todos os limites de suas deficiências. Estes animais estão para essa produção como Linguado e Sebastião estão para Ariel. Sendo um, Pua, responsável pela caracterização do mascote fofinho e o frango pela postura irritante porém redentora pela possibilidade de safar a heroína.
Esses pequenos se consagraram como marca das princesas do estúdio, sendo motivo de alívio cômico, com duas cenas que valem ser ressaltadas. Uma quando Moana experimenta uma refeição de porco em sua aldeia com seu mascote fofinho do lado, gerando uma reflexão sobre hábitos alimentares e outra quando Maui a vê pela primeira vez e a caracteriza como princesa, através do estereótipo criado pela presença de um mascote.
Dos vilões, Tamatoa, uma espécie de “caramujo-caranguejo”, se torna um destaque, possuindo uma das cenas musicais mais interessante com direito até a homenagem a David Bowie. Nas questões culturais, as referências retratadas vão desde tudo o que é representado em tela até a presença de elementos sonoros introduzidos pelo cantor samoano Opetaia Foa’i que foi responsável por “transmitir o sentimento de habitar as ilhas do universo de Moana”, segundo Musker.
Em suas estruturas de roteiro, o filme acaba por quase se tornar uma história que já conhecíamos. Embora haja uma grande surpresa no fim do filme, a resolução é previsível. Afinal, esperamos por isso inconscientemente nesse gênero. Porém, a construção de um empoderamento feminino, o universo representado diegeticamente e os personagens construídos com formas muito carismáticas são os pontos fortes da trama. Sem contar com as possíveis possibilidades de intertextualidade, e
easter eggs — consegui atentar para pelo menos dois, Sven, personagem de frozen, e um filhote de Tartaruga do filme
Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003)
— entre obras que já conhecemos do universo Disney.
Moana acaba por conseguir provar, assim, ser um filme que conseguirá agradar diferentes públicos e atender as possíveis questões de olhares mais exigentes, correndo assim, menos riscos de envelhecer com o tempo.
Estudante de cinema, fotógrafo de momentos, tenta escrever e as vezes consegue. Se identifica com o cinema queer, ama musicais e perde mais tempo fazendo listas de filmes do que vendo-os.