Nasty Baby e o horror da vida

Durante sua filmografia, Sebastián Silva se mostrou um diretor com profundo desejo em subverter suas histórias de uma maneira inesperada. Seus personagens, o cotidiano, o gênero, a realidade dentro do filme, tudo está à prova em suas mãos. Depois de muitos tropeços, muitas tentativas, parece que ele finalmente conseguiu efetivar o que buscava. Se antes uma empregada caiu em si ao perceber a vida que perdeu servindo seus patrões em A Criada (La Nana, 2009), uma viagem de férias entre amigos se transformar em um pesadelo para uma garota, sem motivo aparente, em Viagem sem volta (Magic, Magic, 2011), agora Silva nos coloca de frente a novos adultos, em conflitos comuns à essa nova geração de uma forma que à primeira vista parece leve, tranquila e despreocupada. Olhe mais uma vez…
Em Nasty Baby (2015), nós acompanhamos Freddy (interpretado pelo próprio Sebastián Silva), um artista plástico/performer que tem um profundo desejo de ter um filho com seu parceiro, Mo (Tunde Adebimpe). Ele não quer adotar, ele quer gerar o filho biologicamente através de uma barriga de aluguel. Sua melhor amiga Polly (Kirsten Wiig) se oferece prontamente para ser a gestante, e os dois criam grandes expectativas. Freddy inicia um trabalho sobre o nascimento e a vida, pelo qual fica obcecado. Após várias tentativas, eles descobrem que Freddy é infértil, e não há como ele ser o pai biológico. Freddy e Polly agora tentam convencer Mo a ser o pai biológico, que, hesitante, aceita.
Essa é a premissa da história, e o que teoricamente deveria manter o filme até o final, se essa fosse mais uma dramédia mumblecore. O que a diferencia completamente é justamente como todo esse enredo vai se desenvolver. Sutilmente, a tensão vai sendo trabalhada ao longo da narrativa. No começo, vamos percebendo lapsos de estranheza através da montagem — vide a primeira vez que o título do filme aparece. O filme começa despreocupado, com cenas do cotidiano, e pouco a pouco começamos a entender os dramas de cada personagem. Todos eles têm grandes desejos e tensões internas que, a princípio, parecem razoáveis e bastante comuns a essa nova geração de adultos dos anos 2010, mas aos poucos eles vão se deformando e transmutando em algo cada vez mais agoniante: algo muito próximo de uma obsessão.
Você logo entende que o que move os personagens são suas obsessões. Freddy e sua obsessão pela sua paternidade, que acaba reverberando em sua arte — uma vídeo-performance com o título do filme. Polly e sua obsessão em ser essa barriga de aluguel e em ter essa gestação do filho de seu melhor amigo. Mo e sua própria barreira em se tornar o pai biológico da criança. Para além deles, um personagem secundário muito específico que também carrega uma obsessão latente, ligada diretamente a sua sanidade. Todo esse leque de tensões geradas por esses desejos descontrolados, vão se mostrando pouco a pouco ao longo da narrativa e movendo o filme. A obsessão em gerar essa vida, para que somente a partir dela todos eles se tornem plenos, a ponto de que se ela não for gerada, eles nunca serão felizes.
Como espectador, senti uma pontada muito pequena no meu peito desde o início do filme. O sentimento estranho de que algo não está certo naquilo tudo vai inundando você, por mais que o que você esteja assistindo seja a uma cena onde os personagens casualmente sentam e conversam à mesa de jantar, em um clima de descontração e cumplicidade.
O grande macete do filme é que ele reconhece esse sentimento, o pontua sutilmente em momentos muito breves de absurdo no seu decorrer, ao mesmo tempo em que a tensão na narrativa do filme vai crescendo exponencialmente. Você vai se envolvendo mais e mais naquela narrativa aparentemente tão comum, sem entender o porquê, de onde está vindo isso. Mas, ao chegar próximo do final do filme, nós compreendemos tudo de uma vez. Não só isso: nós entendemos o filme por completo, e o seu discurso. Tudo ao mesmo tempo. E então, toda essa agonia explode, junto com a narrativa, e a agonia que você sentia no início do filme, torna-se real.
De uma forma que nunca vi antes, Nasty Baby trabalha com um realismo irônico seus personagens completamente voltados para si, a realidade em que vivem, e suas questões muitas vezes supérfluas, em uma narrativa claustrofóbica. Colocando um ponto-de-virada no enredo que beira o absurdo, mas que amarra o filme por completo, provocando com um horror ácido, cruel e até gráfico.

Pontuado com um final no mínimo inusitado, Nasty Baby deixa um gosto amargo na boca muito difícil de engolir.