Os Guarda-Chuvas do Amor – Melodrama em Technicolor

Sabe aqueles diretores que você acaba descobrindo por acaso e, depois que você começa a conhecer, não entende o porque do seu trabalho não ser tão conhecido? Foi mais ou menos assim que me senti quando comecei a ter o meu primeiro contato com a obra de Jacques Demy.
Influenciado pelo cinema fantástico francês, pelos musicais hollywoodianos e apaixonado por contos de fadas, Demy criou em suas histórias, mais do que simples narrativas, criou um universo próprio. Um mundo em que as cores ganham vida e tudo parece poder ser seguido de um arranjo musical.
Para introduzir sua obra, resolvi falar do seu aclamado filme Os Guarda-Chuvas do Amor (Les Parapluies de Cherbourg, 1964), ganhador da palma de ouro no Festival de Cannes de 1964. Foi através desse filme que Demy ganhou mais visibilidade. A história em ópera divide-se em 3 partes: Le Départ (A partida), L’Absence (A Ausência) e Le Retour (O Retorno).
“A Partida”. De início, vemos uma Cherbourg embalada por chuva e transeuntes que caminham de maneira sincronizada com os tons melancólicos das composições de Michel Legrand. Somos apresentados a Guy, 20 anos, personagem que trabalha em uma oficina e tem um comportamento diferente do esperado do estereótipo apresentado em seu universo. Ele é um rapaz sensível e apaixonado por Geneviève, 17 anos, moça que trabalha como vendedora na loja de guarda-chuvas na qual a mãe viúva é proprietária.

 

Esse capítulo serve como introdução para os personagens. Guy, têm de trabalhar para manter sua madrinha Elise que está sob os cuidados da enfermeira Madeleine. Geneviève passa por problemas financeiros e a loja não supre as necessidades da família. Passa-se a ter uma proximidade maior com o mundo que cerca os personagens e a conhecer o mundo através do olhar de Jacques.

 

 

Os cenários em cores fortes dialogam com as vestes dos personagens, trazendo um trabalho de arte característico. O musical possui todas as falas musicalizadas, denunciando assim, o dispositivo. Trazendo um caráter lúdico para a obra.
Através do comportamento dos corpos, tem-se uma representação exacerbada da intensidade do amor que há entre os protagonistas e percebe-se a influência da estética do melodrama. O caráter de fábula, contido na abordagem, garante uma crença na forma sincera que os dois se entregam ao primeiro amor.

 

 

Diante dos problemas que surgem, tornam-se visíveis os motivos que darão origem ao afastamento dos dois. A mãe de Geneviève, para solucionar suas dívidas, acaba sendo convencida pela filha a ir numa loja de penhores buscando vender uma de suas joias. Essa cena serve para introduzir o personagem Roland Cassard, diamantista, que vendo a situação das duas decide compra-la. Contudo, a mãe de Geneviève pede para que ele passe na casa delas para apanhar a joia e revendê-la em uma de suas viagens.

 

 

Quando Roland vai buscar a joia, é convidado para jantar, mas por conta de uma viagem, já marcada, é impedido de ficar. Geneviève, que não estava em casa quando Roland fora buscar as joias, se encontra com Guy, que informa ter sido convocado para servir o exército na intervenção militar francesa na Argélia. Em sua última noite juntos, antes da partida, eles fazem amor e ela engravida.

 

 

“A Ausência”. Ao que se pode ver, os títulos dos capítulos traduzem de forma literal o que acontece. Guy parte, o tempo passa, e Geneviève começa a se preocupar com a demora das correspondências do amado. Começa a nutrir um sentimento de dúvida, enquanto Roland manda postais de suas viagens. A ausência se torna um peso e começa a mostrar facetas da insegurança da jovem que tem receio de acabar não tendo um pai para seu filho.
Roland volta e vai jantar na casa delas, atendendo a um convite feito antes por Madame Revery. No jantar, Geneviéve se retira por estar indisposta, e logo, a sós com a mãe da amada, Roland confessa ter se apaixonado e deseja, assim, casar-se com ela. Nessa conversa, também conta sobre sua vida e uma antiga paixão que nutriu por uma dançarina. Madame Revery aparenta estar animada com a proposta de casamento, ele viaja por três meses e deixa sua amada livre para que a mesma tome sua decisão.
Os meses passam, Guy no exército, Geneviève se encontra triste e sem muitas esperanças de que seu amor seja suficiente para acreditar em um possível futuro com Guy. Pensando em ajudar sua mãe, na criação da criança, ela aceita a proposta de Roland que se dispõe a criar seu filho como se fosse dele.

 

 

“O Retorno”. Ao terminar o serviço militar, Guy volta à Cherbourg, onde descobre que seu grande amor está casada e morando em outra cidade. Ele começa a entrar em um estado de decadência, perde o emprego e se encontra com prostitutas em busca do esquecimento. Quando sua tia Elise morre, ele pede para que Madeleine não o deixe sozinho e, no relacionamento que ambos constroem, acaba por pedi-la em casamento.

 

 

Guy consegue abrir um posto de gasolina e tem um filho com Madeleine. Quatro anos se passam, e em dezembro de 1968, Geneviève e Guy se encontram no posto de Gasolina. É véspera de Natal, a mulher dele acaba de sair com seu filho François para fazer algumas compras, quando Geneviève chega ao posto com sua filha. Ambos conversam, ela pergunta se Guy quer ver a menina, Françoise, e ele nega. Mostrando nesse ponto o final fatídico de dois apaixonados que perderam a batalha contra o tempo. Ambos reconhecem que suas vidas tomaram rumos completamente diferentes. Ela entra no carro e vai embora, neste momento Madeleine retorna com François, seu filho, e com os braços cheios de presentes.
Falar sobre Les Parapluies de Cherboug é realizar uma catarse textual digna a imensidão deste melodrama. Pois, mesmo com a riqueza de detalhes em meio a descrição, não é possível transmitir o que se sente no âmago da alma. Não é possível descrever as composições de Legrand, ou a forma que a música parece fazer cada nervo do corpo ressoar. Não é possível passar a tristeza do último olhar de dois amantes que poderiam ter ficado juntos se a vida não se fizesse vida.

Esse musical é um dos grandes clássicos do cinema francês vindo de um dos diretores que surgiram no período da nouvelle vague. Embora tenha iniciado sua filmografia nos moldes dos filmes produzidos na corrente de cinema da época, para a sorte dos espectadores, Jacques manteve-se fiel à sua vontade de transpor sonhos em uma linguagem fílmica e acabada a projeção, o que nos resta é acordar e continuar almejando as cores de seu cinema no cotidia

Pedro Palácio, estudante de cinema, fotógrafo amador, fotogênico profissional, crush de 100% das pessoas. Igualmente fã de Ru Paul’s Drag Race e Les Parapluies de Cherbourg (e do cinema francês em geral). Parece quietinho, mas sabe todos os memes da Inês Brasil decorados.