Batman v Superman e a doença da expectativa

AVISO: não contém spoilers, apenas quebra de expectativas. Ou pelo menos nada que você já não tenha visto nos trailers.

Um certo Jean-Luc Godard profetizou alguns anos atrás “Hollywood vai fazer apenas um filme e todo mundo vai ver”…. nem sei de onde eu tirei isso, pode nem ser verdade.
Faz algum tempo, sempre que vou ver um filme de grandes proporções reflito sobre o que ele significa, sobre o impacto que ele causa em alguns círculos sociais. Não à toa estes são chamados Blockbusters, que em geral é livremente traduzido como “arrasa quarteirão”, responsáveis por ações pesadas de marketing acompanhadas (mas nem sempre) de bilheterias milionárias. A nomenclatura é recente, mas o modelo industrial de cinema, bem como de praticamente todas as formas de arte, está presente desde os primeiros passos desta nossa sociedade de consumo, pois como bem sabemos o hobby do capital é apropriar-se da cultura em geral, transformando-a em produto, bem de consumo. E no cinema, uma arte recentíssima, nascida da explosão tecnológica de fins do século XIX, este modelo industrial já estava, pode-se dizer, desde sua gênese.
Claro que seria ingenuidade pensar que pelo menos uma parte dos fãs (e essa já é uma palavra que remete bastante ao “consumo” de ídolos) desconhece o propósito destes produtos culturais, eu mesmo consumo-os desde que me entendo por gente, e possivelmente até antes disto. É impossível não pensar sobre como George Lucas aperfeiçoou de forma inteligentíssima este modelo e expandiu economicamente um filme fazendo-o ultrapassar barreiras de mercado antes inimagináveis, como ele fez com o primeiro Star Wars, e como esta escola vem fazendo vários aprendizes ao longo dos anos.
Pela minha própria experiência de vida fico um tanto quanto divido sobre a experiência de ver um Blockbuster no cinema. Compreendo os malefícios que este formato industrial e predatório traz, fazendo intencionalmente com que a maior parcela dos espectadores vejam apenas este tipo de filme, já que ocupam a grande maioria, quando não todas, as salas de exibição ao seu alcance, sem falar das peças de marketing que já havia mencionado, inúmeros trailers, cartazes em tudo que é buraco, banners em tudo que é site, entrevistas, enfim, o espectador é claramente condicionado a ver apenas estes filmes, ficando sem possibilidades de ter como escolher alguma outra opção. Entretanto, faço parte de uma geração e de um círculo social que cresceu curtindo este cinema, Spielberg era meu grande ídolo de infância, não consigo lembrar quantas vezes vi Jurassic Park. Tinha apenas 10 anos de idade quando o primeiro X-Men foi lançado em 2000 dando início a uma longa linhagem de adaptações de quadrinhos que se estende até hoje sem mostrar muitos sinais de cansaço, mostrando-se como a descoberta de uma mina de ouro pelos grandes estúdios de Hollywood que deve demorara a se esgotar. Ou seja, cresci acompanhando e criando expectativas por essas produções, e a descoberta da internet apenas multiplicou esta experiência.

 

 

A doença da expectativa, hoje conhecida como hype, estava sendo cada vez mais difícil pra mim. Parece que meu cérebro demorava a entender que o filme que eles vendem antes da estréia é sempre MUITO melhor do que ele realmente vai ser. É como se minha mente caísse na armadilha todas as vezes. Quantas vezes me frustrei, quantas vezes me decepcionei, quantas vezes tive vontade de esganar os responsáveis por destruir as esperanças de um jovem mancebo como eu. Mas de uns dois anos pra cá decidi lutar contra esta doença. O tratamento não é fácil, exige muita força de vontade e muita parcimônia, continuei vendo trailers, mas sempre me controlando. Claro que tive muitas recaídas de lá pra cá, tenho até um pouco de vergonha de contar, mas fazer o que, sou um rapaz esperançoso, sonhador. Mas sinto que estou bem melhor desta famigerada enfermidade.
Toda esta lenga lenga é para dizer que hoje, ao ver Batman vs Superman, me sinto muito melhor.
Mesmo com todos os trailers (ou exatamente por conta disto) o filme é ruim como eu esperava que fosse. Infelizmente. Um roteiro atropelado, com pistas de que foi tantas vezes mexido que Chris Terrio e David Goyer já não sabiam mais como botá-lo nos eixos, certamente, em parte, por culpa de ordens gananciosas do estúdio como geralmente o é. O filme aproveita-se da fama, já indiscutivelmente consolidada, de seus personagens para cavocar esta mina sem preocupar-se em respeitar seus fãs. Até a trilha do ótimo Hans Zimmer, pode ser maravilhosa se ouvida independentemente, mas não encaixa de forma nenhuma no filme, por várias vezes me flagrei ouvindo a música e assistindo a cena, o que é péssimo já que no cinema clássico é interessante que música e cena estejam em uma sensível sintonia, mantendo firme a imersão.
 
O pior de tudo é que senti o esforço do elenco para fazer com que o filme funcionasse, e é possível que se dependesse destes o esforço não teria sido em vão. Affleck parecia decidido a se redimir com o público depois do desastroso Demolidor, e me arrisco a dizer que ele deve ter lido bastante quadrinho mesmo como disse que leu, porque este é o Batman/Bruce Wayne mais próximo das HQs que o cinema já viu até hoje em minha opinião. Enquanto isso Cavill repete o que já havia mostrado em Homem de Aço com um herói cheio de dúvidas sobre si mesmo estampadas no rosto. Em alguns momentos aprovei a subversão do vilão Lex Luthor de Eisenberg, vendo traços de um Coringa em sua personalidade e em uma ou outra atitude, mas não creio que tenha sido uma boa escolha para este filme em especial, talvez um Lex mais próximo do das séries animadas, mais político e autoconsciente de sua superinteligência, pudesse cair melhor com o clima do filme. Ainda não consegui engolir Gal Gadot como Mulher-Maravilha, talvez por um preconceito antigo, desde que a atriz foi anunciada para o papel, mas se há algo que esta era de filmes trouxe é o fato de que o elenco sempre será alvo de desconfianças ao ser anunciado (quem me conhece sabe que jamais aceitarei que Jamie Alexander não foi a escolhida para interpretar a princesa Diana), mas Gadot teve apenas alguns momentos para mostrar se merece ou não o importante papel e a maior parte deles foi em cenas de ação, onde não desapontou.
 

 

Mas a cereja do bolo com certeza foi a desnecessária aparição do Apocalipse. Acho que me sinto agradecido por sua aparição em alguns dos vinte trailers do filme, evitei assim uma péssima surpresa. Além de desnecessário, horrível, e isso não vem como um elogio como neste caso poderia ser, mas juro que prefiro o Abominável do Incríve Hulk do Norton. Provavelmente este foi a segunda pior maneira de estragar um possível ótimo antagonista desta era de filmes de super-heróis (não quebre muito a cabeça pra lembrar do primeiro, de um filme que não ouso mencionar aqui). Visivelmente a ideia de espremer um personagem tão importante na mitologia do kryptoniano, o único capaz de fazer o escoteiro temer não apenas pela vida de seus próximos, mas pela sua própria, foi mais uma picaretada da Warner nesta imensa mina. Fico triste aqui pensando na oportunidade perdida de usá-lo em uma possível adaptação da famosa HQ A Morte do Superman.
Talvez o maior mérito do filme tenha sido levantar a questão das consequências dos atos “heroicos” de um super ser (meses antes que o estúdio rival o faça diga-s de passagem), entretanto fazendo-o de forma desordenada em razão de dar espaço à trama descabida do vilão de se meter com tecnologia alienígena, de uma forma que não se fez necessário ter uma das maiores mentes do mundo para descobrir.
Mas é isso mesmo. Sabemos que por mais que o filme seja inescrupuloso com os fãs mais tradicionais, vai sair ouro dessa mina de fazer inveja ao maior dos templos Incas. E claro que muitos vão se divertir e sair fingindo que estão voando como meu pai conta que fazia trinta anos atrás com os filmes do saudoso Christopher Reeve, mas sinceramente eu não consegui.
No entanto, pelo menos estou praticamente curado desta insolente doença da expectativa, agravada inúmeras vezes nestes tempos de internet, spoilers e chuvas de trailers, mas espero não ser acometido de uma outra doença que vem ganhando terreno nestes tempos sombrios, trazendo à tona uma figura cada vez mais comum nas conversas de redes sociais, o hater, mas creio que contra esta já sou vacinado.
Este ano ainda teremos muitas provações deste nível para vencer, X-Men: A Era do Apocalipse, Guerra Civil, Esquadrão Suicida, a mina é mais profunda do que imaginamos, e eu, teimoso como sou, estarei lá, com ingresso na mão e aquela pontinha de esperança que fica lá, como um vírus que está inerte só esperando pra despertar novamente.
PS: não há cena pós-crédito… ainda bem.
PS2: Preciso de amigos dispostos a teorizar sobre a misteriosa sequência do sonho/visão/viagem/bad trip do Bruce.