Corações de Ferro (Fury, 2014) é um filme sobre a crueldade da guerra.
Eu já havia explicado aqui, ao escrever sobre O Grande Herói (Lone Survivor, 2013), um dos motivos de eu não curtir tanto filmes de guerra. Bom, Corações de Ferro é um filme de guerra… mas eu curti muito. E tive que vir aqui escrever este texto principalmente para eu mesmo entender o porquê de ter gostado tando deste filme, o que o diferencia das últimas grandes produções sobre o tema (e também por que já fazia um tempo que eu não escrevia).
Primeiro motivo: não é baseado em fatos reais. Tudo bem que muita gente gosta de filmes baseados em histórias reais, não é à toa que das oito indicações ao Oscar de melhor filme quatro são de obras baseadas em fatos que aconteceram. No entanto, este tipo de filme acarreta uma série de problemas e um dos principais deles é ter que escolher um certo ponto de vista pra contar esta história, e no caso dos filmes de guerra este é geralmente o dos vencedores que, até quando perdem a guerra, são os americanos (uma linda exceção é a obra prima Apocalypse Now, 1979). Um exemplo bastante claro e recente disto é Invencível (Unbroken, 2014) que até é relativamente bem dirigido pela Angelina Jolie, mas peca no roteiro por tentar criar (de forma até bem forçada) a imagem deste herói norte americano. Não estou dizendo que em Corações de Ferro isso não exista, é claro que existe, mas bem de leve e sem exagerar na dicotomia “bem vs. mal”.
Segundo motivo: não se passa em nenhum momento “especial” da Segunda Guerra. Nenhum momento crucial como em O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), Pearl Harbor [argh!] (2001) ou A Queda! As Últimas Horas de Hitler (Der Untergang, 2004). Corações de Ferro se passa nos últimos dias da guerra, quando todos sabiam que seu fim estava próximo, mas se perguntavam porquê estava demorando tanto. E retrata um grupo de tanques de guerra, um dos instrumentos de guerra em que os americanos eram bastante inferiores aos alemães. Um dos tanques, o Fury que dá nome ao filme, é habitado (sim, eles chamam o veículo de casa) pelo grupo de personagens principais que, logo no início, acabara de perder um de seus integrantes. Ao retornarem para a base recebem um substituto, o jovem e inexperiente Norman, interpretado por Logan Lerman.
Terceiro motivo: personagens escrotos. Como já havia dito nenhum dos protagonistas de Corações de Ferro é um herói. Tudo bem que o grupo sobreviveu a inúmeras batalhas desde quase o início da guerra etc, etc, mas o que eu quero dizer é que nenhum deles tem apenas bondade e coragem em sua essência. Comecemos pelo incrível Brad Pitt (todo mundo sabe que eu pago pau pra esse feladaputa), Don ‘Wardaddy’ que, como líder, deve conseguir instigar e ao mesmo tempo manter a calma do grupo, ou seja, deve segurar a barra pra manter os outros fortes, o que, convenhamos, não deve ser lá muito fácil numa guerra, o que fica claro quando Don se afasta do grupo para colocar pra fora a dor da perda de um dos integrantes do tanque. Por outro lado Don apresenta, por várias vezes, uma crueldade sintomática do campo de batalha quando, em um dado momento, obriga o jovem e amedrontado Norman a executar um oficial da SS à queima roupa. Boyd ‘Bible’, interpretado por um inspirado Shia LaBouf, nos apresenta um soldado religioso (por isso o apelido) e quase sempre silencioso, e é interessante notar como seus olhos estão quase sempre marejados de lágrimas o que nos diz muito sobre o personagem compensando a relativa falta de palavras. Por outro lado temos o falastrão Grady ‘Coon-Ass’ (Jon Bernthal), talvez a maior surpresa do filme para mim e o personagem mais complexo da história, sempre falando em matar nazis e foder mulheres alemãs ou perturbando seus companheiros, sendo o que menos demostra respeito por Don apenas por birra. Em alguns momentos pode parecer até que Grady gosta daquilo tudo, de estar na guerra, o que depois percebemos, não é verdade. Por fim, temos os dois personagens mais apagados ‘Gordo’ (Michael Peña) e o que deveria ser o protagonista do filme Norman (Lerman).
Onde se pode ler mais profundamente as personagens, e na minha opinião a melhor sequência do filme, é em um dos poucos momentos onde não estão em campo de batalha (e para isso é interessante perceber o único momento nos dois primeiros atos onde as cores tornam-se mais quentes), quando entram em uma casa onde estão duas alemãs. Aqui podemos observar cada um dos personagens individualmente e ao mesmo tempo o comportamento do grupo como um todo.
Pra terminar é importante dizer que o filme conta com ótimas cenas de ação, com destaque para o embate entre o já velho e danificado tanque Fury e um robusto Tiger alemão, além da crueza de algumas fortes imagens da guerra como quando Norman ao limpar o tanque por dentro encontra parte de um rosto humano dilacerado ou o inesquecível plano do tanque passando por cima de um cadáver já flácido misturado à lama. O momento de maior ação do filme é o terceiro ato, com uma batalha beirando o absurdo.
PS: algo chama a atenção de qualquer um que assista o filme, tanto que eu nem precisaria dizer aqui pra todos saberem do que estou falando. O que são aqueles raios laser? Eu tenho certeza que aquilo deve ter alguma explicação lógica. Por gentileza, se alguém souber explicar aquilo use os comentários para matar minha curiosidade, ficarei agradecido.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.