Sob a Pele (Under the Skin, 2013) é um filme sobre a fragilidade das aparências.
A princípio tendemos a compreender que o filme trata-se de um alienígena que chega ao planeta Terra disfarçada de humana com o objetivo de, através de sua bela aparência e de um jogo de sedução, capturar seres humanos do gênero masculino e levá-los a uma espécie de lago negro dentro de uma casa onde afundam para terem seus corpos sugados com exceção apenas da pele. Mas nada disso é explicado ao pé da letra, e sim de uma forma minimalista com uma variedade de luzes e sons de alguém que aparentemente está tentando rapidamente aprender a usar a voz ou o uso de espaços vazios completamente brancos ou escuros.
Não existe uma trama a ser desvendada, ou enigmas a serem resolvidos, tudo está lá da forma mais simples possível, com poucas palavras, um silêncio traduzido por uma riqueza de imagens que permeia todo o filme. Tomadas de pessoas comuns realizando tarefas comuns, acontecimentos corriqueiros, trânsito, pessoas conversando e rindo, tudo mostrado como se estivéssemos observando o curioso comportamento humano pela primeira vez. E é curioso perceber como Scarlett Johansson se mostra uma ótima atriz, usando apenas de gestos corporais e expressões faciais para mostrar estranhamento ao ambiente em que se encontra (e lembrar como ela demonstrou uma bela atuação apenas com sua voz no recente e belíssimo Ela (Her, 2013).
Numa tentativa tosca de aproximar Sob a Pele de um gênero cinematográfico o mais próximo que consegui chegar foi de uma ficção-científica, mais por utilizar de recursos clássicos deste gênero, como seres de outro planeta por exemplo, para fazer uma crítica á sociedade contemporânea, do que por qualquer outro motivo. O filme, baseado em um livro do escritor neerlandês Michel Faber de 2000, deixa bastante clara sua intenção: a alienígena que captura homens o faz facilmente porque estes são rapidamente atraídos pela sua beleza e pela aparente facilidade com que ela os seduz. Como se uma presa se oferecesse de bandeja a seu predador. Mas como nas lendas mitológicas das sereias as reais presas são os próprios homens que, seduzidos pela beleza exterior, não se importam com o verdadeiro interesse da bela mulher. Por sua vez ao serem levados ao lago onde afundam quase hipnotizados tem seu interior completamente sugado, nos mostrando que o que importa para estes seres alienígenas é o que está escondido sob a pele. Todas essas ações são acompanhadas por uma angustiante, mas sutil, trilha sonora composta e bem pensada por Mica Levi.
No entanto algo sai dos planos obscuros destes seres quando sua enviada encontra entre suas presas um ser humano fisicamente peculiar, um homem com o rosto completamente deformado (e é importante dizer que extraordinariamente não há maquiagem aqui, o britânico Adam Pearson realmente tem uma rara doença chamada neurofibromatose que faz com que tumores benignos cresçam em tecido nervoso, e traz uma atuação tocante e profunda). O homem se surpreende ao ver que a mulher não só não se importava com sua aparência, como estava seduzindo-o. Após cair na armadilha como os outros é resgatado pela moça antes de ter seu interior sugado.
A partir daí (e talvez de um tombo que a moça leva no meio de uma calçada movimentada) a criatura passa a mudar seu comportamento e sai da rotina em que estava, em uma espécie de rebelião contra a “nave mãe”, tenta ter novas experiências como quando tenta comer um bolo de chocolate em uma lanchonete ou quando é levada por um homem para sua casa e o mesmo faz uma tentativa frustrada de fazer sexo com a moça o que a leva a perceber aos poucos que não pode se tornar humana pois sua estrutura física não o permite.
O arco da metáfora sobre a fragilidade da aparência exterior se fecha quando ela é perseguida em uma floresta por um homem que, como exatamente o inverso do objetivo dos seres alienígenas, deseja “devorar” apenas sua pele, sem se importar com quem esta pessoa é de fato e acaba por se surpreender quando descobre o que está por dentro.
Sob a Pele é, assim, um belo tratado sobre como tendemos a julgar o livro pela capa. E é MUITO mais do que um filme onde a Scarlett Johansson aparece pelada.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.